Quando a Ideologia Contamina a Ciência


conectados.site


O pragmatismo e o marxismo, embora divergentes em suas premissas filosóficas e contextos históricos, partilham um vício intelectual comum: a subordinação da verdade à ação. Ambos rejeitam a ideia de que o pensamento deva se limitar à contemplação e à busca desinteressada do conhecimento, promovendo, em vez disso, uma fusão perigosa entre teoria e prática. O resultado inevitável dessa fusão é a corrupção do próprio conceito de objetividade, transformando a investigação filosófica e científica em um instrumento de manipulação ideológica.

O pragmatismo, formulado por Peirce, James e Dewey, proclama que o critério último da verdade é a utilidade prática. A ideia, por si só, já contém uma contradição implícita: se o verdadeiro é aquilo que "funciona", e se esse funcionamento é sempre relativo às necessidades e circunstâncias de um dado momento, então a verdade deixa de ser um critério estável e universal para tornar-se um expediente transitório, sujeito às conveniências do instante. O pragmatismo, ao subordinar a veracidade de uma proposição às suas consequências, compromete a distinção entre lógica e psicologia, entre validade e persuasão emocional. A história da ciência está repleta de teorias que, por um certo período, mostraram-se “úteis”, apenas para depois serem descartadas como falsidades evidentes. A teoria comportamentalista de B.F. Skinner, por exemplo, obteve sucesso temporário ao reduzir a psicologia à manipulação de estímulos e respostas, mas acabou sendo contestada quando novas evidências trouxeram à tona a complexidade dos processos cognitivos. O mesmo poderia ser dito de incontáveis doutrinas que, por um tempo, pareceram “dar certo”, mas que se mostraram desastrosamente equivocadas quando confrontadas com um exame mais rigoroso da realidade.

O marxismo, por sua vez, parte de um dogma idêntico ao do pragmatismo, mas com uma roupagem mais messiânica e revolucionária: para Marx, a filosofia não existe para interpretar o mundo, mas para transformá-lo. A confusão entre teoria e prática atinge, nesse caso, proporções catastróficas. Se o conhecimento nada mais é do que um reflexo dos interesses de classe, como ele próprio afirmava, então a noção de uma ciência social objetiva se torna uma impossibilidade lógica. O marxista, nesse jogo duplo, denuncia a ideologia dominante como um disfarce dos interesses da classe hegemônica, ao mesmo tempo em que apresenta sua própria doutrina como um conhecimento puro e emancipador, sem jamais perceber que, se sua tese fosse verdadeira, sua própria teoria deveria ser descartada como mais uma expressão de interesses políticos contingentes. O caso de Trofim Lysenko na União Soviética ilustra com clareza esse fenômeno. Sua biologia pseudocientífica, adotada pelo regime stalinista, não foi sustentada por evidências, mas pela conveniência política. O resultado foi um desastre de proporções épicas, com a destruição de safras e a morte de milhões de pessoas pela fome. Aqui, a fusão entre teoria e prática revelou-se não apenas um erro filosófico, mas um crime contra a própria realidade.

O mesmo problema se manifesta no fenômeno contemporâneo da “fake news”. A luta contra a desinformação, em tese, deveria ser um esforço pela verdade, mas na prática tornou-se um expediente para controle do discurso. A rotulação de certas informações como falsas não obedece a critérios objetivos e verificáveis, mas sim aos interesses daqueles que detêm o poder sobre os meios de comunicação. O conceito de verdade, nesse contexto, é remodelado para servir como um instrumento de coerção política. O resultado é que, sob o pretexto de combater a mentira, cria-se uma nova forma de distorção da realidade, mais sofisticada.

Seja no pragmatismo, no marxismo ou no policiamento ideológico contemporâneo, a tentativa de dissolver a fronteira entre teoria e prática leva invariavelmente ao colapso da objetividade e ao triunfo do oportunismo intelectual. A ciência, se pretende manter-se fiel à sua vocação, deve preservar a distinção entre o conhecimento como um fim em si mesmo e sua aplicação no mundo. Quando essa distinção se desfaz, a verdade se torna um joguete nas mãos dos engenheiros sociais, prontos para moldá-la conforme os interesses do momento. O custo desse erro não se limita à corrupção da ciência, mas se estende ao próprio tecido da civilização, que, desprovido de critérios sólidos de verdade, torna-se um terreno fértil para a mentira sistematizada. A história já demonstrou, repetidas vezes, o preço desse equívoco. 
E, no entanto, continuamos a repeti-lo.


José Rodolfo G. H. Almeida é escritor e editor do site www.conectados.site

Apoie o Site

Se encontrou valor neste artigo, considere apoiar o site. Optamos por não exibir anúncios para preservar sua experiência de leitura. Agradecemos sinceramente por fazer parte do suporte independente que torna isso possível!

Entre em Contato

Para dúvidas, sugestões ou parcerias, envie um e-mail para contato@conectados.site


__________________________________


When Ideology Contaminates Science


Pragmatism and Marxism, although divergent in their philosophical premises and historical contexts, share a common intellectual flaw: the subordination of truth to action. Both reject the idea that thought should be limited to contemplation and the disinterested pursuit of knowledge, promoting instead a dangerous fusion of theory and practice. The inevitable result of this fusion is the corruption of the very concept of objectivity, transforming philosophical and scientific inquiry into an instrument of ideological manipulation.

Pragmatism, formulated by Peirce, James, and Dewey, proclaims that the ultimate criterion of truth is practical utility. The idea itself contains an implicit contradiction: if truth is that which “works,” and if this functioning is always relative to the needs and circumstances of a given moment, then truth ceases to be a stable and universal criterion and becomes a transitory expedient, subject to the conveniences of the moment. 

Pragmatism, by subordinating the truth of a proposition to its consequences, undermines the distinction between logic and psychology, between validity and emotional persuasion. The history of science is replete with theories that, for a time, proved to be “useful,” only to be later dismissed as patently false. B.F. Skinner’s behaviorist theory, for example, enjoyed temporary success in reducing psychology to the manipulation of stimuli and responses, but was eventually challenged when new evidence revealed the complexity of cognitive processes. 

The same could be said of countless doctrines that, for a time, seemed to “work,” but which proved disastrously wrong when confronted with a more rigorous examination of reality. Marxism, in turn, is based on a dogma identical to that of pragmatism, but with a more messianic and revolutionary guise: for Marx, philosophy does not exist to interpret the world, but to transform it. 

The confusion between theory and practice reaches, in this case, catastrophic proportions. If knowledge is nothing more than a reflection of class interests, as he himself claimed, then the notion of an objective social science becomes a logical impossibility. In this double game, the Marxist denounces the dominant ideology as a disguise for the interests of the hegemonic class, while at the same time presenting his own doctrine as pure and emancipatory knowledge, without ever realizing that, if his thesis were true, his own theory would have to be discarded as yet another expression of contingent political interests. 

The case of Trofim Lysenko in the Soviet Union illustrates this phenomenon clearly. His pseudoscientific biology, adopted by the Stalinist regime, was not supported by evidence but by political expediency. The result was a disaster of epic proportions, with the destruction of crops and the death of millions of people from starvation. Here, the fusion of theory and practice proved to be not only a philosophical error, but a crime against reality itself.

The same problem manifests itself in the contemporary phenomenon of “fake news.” The fight against disinformation, in theory, should be an effort to seek the truth, but in practice it has become a means of controlling discourse. Labeling certain information as false does not follow objective and verifiable criteria, but rather the interests of those who hold power over the media. In this context, the concept of truth is remodeled to serve as an instrument of political coercion. The result is that, under the pretext of combating lies, a new, more sophisticated form of distortion of reality is created.

Whether in pragmatism, Marxism or contemporary ideological policing, the attempt to dissolve the boundary between theory and practice invariably leads to the collapse of objectivity and the triumph of intellectual opportunism. If science is to remain true to its vocation, it must preserve the distinction between knowledge as an end in itself and its application in the world. When this distinction is dissolved, truth becomes a plaything in the hands of social engineers, ready to mold it according to the interests of the moment. The cost of this error is not limited to the corruption of science, but extends to the very fabric of civilization, which, devoid of solid criteria of truth, becomes a breeding ground for systematic lies. History has demonstrated, time and again, the cost of this mistake. And yet we continue to repeat it.


José Rodolfo G. H. Almeida is a writer and editor of the website www.conectados.site

Support the website

If you found value in this article, please consider supporting the site. We have chosen not to display ads to preserve your reading experience. We sincerely thank you for being part of the independent support that makes this possible!

Get in Touch

For questions, suggestions or partnerships, send an email to contato@conectados.site

Comentários