O Mito da Cinderela Antes da Cinderela

Por mais que a literatura moderna, domesticada pelo entretenimento e enlatada em estúdios como Disney, insista em nos vender contos de fadas como inocentes fantasias infantis, a verdade é que toda narrativa que atravessa milênios, culturas e impérios carrega uma carga simbólica capaz de denunciar ou exaltar estruturas permanentes da alma humana. O mito de Cinderela, sob esse aspecto, não é um conto para crianças. E antes que Charles Perrault usasse a pena para lapidar o cristal de sua versão e os Irmãos Grimm mergulhassem na floresta escura do folclore germânico, a figura essencial dessa narrativa já caminhava sob o sol vertical do Egito Antigo, nas margens do Nilo, sob o nome de Rhodopis, a estrangeira, a escrava, a invisível que tocaria o trono. Sim. Cinderela é egípcia. Ou melhor, é anterior à França, à Alemanha, à própria ideia de Europa como entidade civilizatória. E o que nos diz essa ancestralidade? Que há algo nesse enredo que escapa à contingência cultural e toca o universal, ...